- 27 de agosto de 2025
- Posted by: Grupo IBES
- Category: Notícias
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Gerenciamento de Riscos no Mundo Real da Saúde
Devemos voltar a atenção ao ambiente domiciliar e comunitário, que gerará desafios de segurança muito diferentes
De acordo com Charles Vincent e René Amalberti, no livro “Cuidado de Saúde mais Seguro: Estratégias para o cotidiano do cuidado”, “a segurança do paciente deve ser examinada como a gestão dos riscos ao longo do tempo. O cuidado de saúde pode utilizar um repertório muito mais amplo de estratégias e intervenções para fazer o gerenciamento de riscos e aumentar a segurança”.
Veja a seguir os principais pontos levantados pelos famosos autores:
- O envolvimento dos pacientes em sua segurança tem sido um processo lento e difícil. Boa parte do esforço inicial envolveu engajar pacientes e profissionais de saúde para que notificassem problemas relacionados à segurança e respondessem a eles. Esse foi um exercício valioso, mas há sempre (e com razão) um limite naquilo que os pacientes podem fazer de forma razoável ou viável no ambiente hospitalar.
- Devemos agora voltar nossa atenção ao ambiente domiciliar e comunitário, o que irá gerar desafios de segurança muito diferentes. Por exemplo, as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) são comuns em hospitais, mas desenvolvemos modos efetivos para combatê-las, baseados no monitoramento atento e numa rápida resposta clínica e organizacional. Em casa, o risco de IRASs pode ser menor, mas surgem outros riscos devido ao ambiente aberto, aos visitantes frequentes e aos diferentes padrões de higiene. A segurança é um equilíbrio dinâmico entre os riscos aceitos e as soluções disponíveis; podemos aumentar a segurança modificando a exposição aos riscos ou melhorando as soluções. Em casa e na comunidade, os pacientes são responsáveis por seu próprio cuidado e, portanto, por sua segurança, podendo cometer erros e ser influenciados pelos diversos fatores que afetam a segurança. Isso vai além do envolvimento, da tomada de decisões compartilhada ou da formação de parcerias.
Leia mais: O que é gerenciamento de riscos na área da saúde?
- Os pacientes e suas famílias assumem papéis e responsabilidades que, em outros ambientes, seriam exclusivos dos profissionais. Isso levanta várias questões para o gerenciamento de riscos e, na verdade, para a prestação dos serviços de maneira geral. Sabemos que os pacientes e suas famílias levam a segurança muito a sério e são engenhosos na gestão de muitas situações potencialmente perigosas.
- Há algumas questões imediatas sobre o gerenciamento de riscos por pacientes e famílias. Que tipo de treinamento devem receber? Se um profissional precisa receber treinamento para, por exemplo, manter condições estéreis ao trocar um curativo, então certamente os pacientes e cuidadores também precisam ser treinados. Até que ponto os padrões de higiene podem ser reduzidos simplesmente porque uma pessoa doente saiu do hospital e foi para casa? Talvez seja preciso considerar a definição de normas e o controle do ambiente no qual o cuidado será prestado. De que tipo de apoio os pacientes e famílias precisam para monitorar a segurança e agir adequadamente em caso de deterioração? O exemplo da hemodiálise em casa demonstra que certas unidades avançadas já contam com um conjunto de estratégias de segurança que são ensinadas aos pacientes e famílias. Isso poderia ser reproduzido, em diversos graus de intensidade, em outras formas de cuidado fora do ambiente hospitalar.
- No cuidado de saúde, a expressão “linha de frente” geralmente denota os profissionais de saúde que estão em contato direto com o paciente e cujas ações e decisões têm efeitos imediatos. Os gestores não prestam o cuidado e, portanto, não podem ser considerados como profissionais da linha de frente nesse sentido. No entanto, eles afetam a linha de frente, pois suas ações têm uma influência muito grande sobre a segurança.
- Um gestor de leitos num grande hospital, por exemplo, está constantemente fazendo malabarismos com pacientes e leitos, avaliando o último pedido urgente, tentando colocar pacientes em enfermarias que sejam razoavelmente adequadas e impedindo que pacientes muito doentes sejam colocados em enfermarias onde os profissionais de saúde não estejam familiarizados com as suas necessidades. Se o paciente estiver muito doente, “estar no lugar errado” gera grandes riscos. Os gestores clínicos têm uma enorme influência sobre a segurança, mas não sabemos muito sobre as estratégias que utilizam.
- Tanto os profissionais clínicos como os gestores podem fazer muito para melhorar os padrões e o valor da análise de incidentes. Ao menos no Reino Unido, o que antes era um exercício de aprendizagem, reflexão e melhoria tem, em alguns ambientes, lamentavelmente sido reduzido a um exercício essencialmente burocrático que produz inúmeras recomendações que jamais são postas em prática. Temos a necessidade urgente de retornar ao objetivo original da análise de incidentes, concentrando-nos na investigação abrangente de um número muito menor de eventos e considerando os resultados no contexto da segurança e dos programas de melhoria de qualidade como um todo. Tudo isso pode ser alcançado com os métodos que já temos. No entanto, também precisamos explorar a análise de episódios de cuidado, estando atentos aos fatores contribuintes em diferentes momentos, à adaptação e à recuperação diante de problemas e dando maior importância aos relatos dos pacientes e famílias.
- Acreditamos que os pacientes e suas famílias devem escolher algumas das análises e ser estimulados a contribuir tanto quanto possível; obviamente, sua perspectiva é especialmente importante fora do contexto hospitalar. O ponto de vista dos pacientes Implicações para os profissionais da linha de frente e os gestores e suas famílias nos ajudará a entender os problemas de segurança de longo prazo e desenvolver novas técnicas e inovações. Essa visão pode parecer utópica e dispendiosa; ela certamente exigirá uma organização cuidadosa e o uso da tecnologia para incluir alguns participantes. No entanto, como já dissemos, a qualidade é mais importante que a quantidade. Um número relativamente pequeno de investigações aprofundadas pode produzir um enorme volume de informações úteis sobre as vulnerabilidades, as defesas e a resiliência do sistema de saúde.
- Com o apoio dos gestores, as equipes da linha de frente podem iniciar programas de gerenciamento de riscos muito maiores e mais estratégicos do que os que temos atualmente. Podemos desenvolver uma árvore de decisões na qual diferentes estratégias e intervenções fossem consideradas em sequência, separadamente ou em conjunto, como candidatas para aumentar a segurança num determinado ambiente e em resposta aos problemas identificados. A melhoria dos padrões na prática clínica é a abordagem mais comum para a segurança na linha de frente e, se realizável, é um primeiro passo óbvio e necessário. A partir daí, há várias maneiras de melhorar o sistema como um todo, embora muitas não estejam sob o controle das equipes da linha de frente. Uma tarefa fundamental é identificar pontos no sistema nos quais processos ineficientes e a baixa confiabilidade forçam soluções alternativas que geram desperdício de tempo e são potencialmente perigosas; as adaptações são naturalmente necessárias nesse momento, mas geram desperdícios, pois apenas compensam outras deficiências em vez de dar a resposta necessária aos problemas ou crises. No curto prazo, lidar com os problemas é admirável e pode ser o melhor para o paciente em questão, mas a longo prazo essa atitude é prejudicial para a segurança, pois apenas prolonga os problemas subjacentes e elimina qualquer incentivo para a mudança.
- Os controles de riscos, realizados por consenso entre os profissionais de saúde e os gestores, protegem tanto os pacientes como os profissionais e podem trazer ordem e calma a sistemas atualmente caóticos. Obviamente, eles podem e devem ser ignorados em situações de emergência, monitoramento, a adaptação e a resposta podem ser mal utilizados, mas ainda assim são uma estratégia de segurança absolutamente fundamental em todos os níveis do sistema. Já foram feitos grandes avanços no treinamento de equipes de anestesia, cirurgia, medicina de emergência e outros contextos clínicos. As habilidades de monitoramento, verificação cruzada e outras características dos fatores humanos são amplamente ensinadas no treinamento de equipes, e foi demonstrado que esses programas melhoram a segurança e os resultados clínicos. Devemos dedicar muito mais energia para compreender a maneira como os profissionais de cada nível do sistema se adaptam e respondem aos problemas fundamentais relacionados à segurança, procurando desenvolver métodos de preparação e treinamento dessas habilidades.
Fonte da imagem: Envato
Fonte: Charles Vincent, René Amalberti. Safer Healthcare: Strategies for the Real World. 2016.