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A descoberta sobre como uma espécie de bactéria engana o sistema imunológico pode abrir caminho para novos tratamentos contra a sepse, inflamação que é a maior causa de mortes em UTIs no Brasil.
 
Um grupo internacional de pesquisadores liderado por Dario Zamboni, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), desvendou a estratégia usada por bactérias da espécie Coxiella burnetii para enganar o sistema imunológico e inibir o processo inflamatório desencadeado por células de defesa quando entram em contato com patógenos desse tipo.
 
sepse
 
Além de favorecer o combate à própria C. burnetii, considerada altamente patogênica, a descoberta abre caminho para novos tratamentos contra a sepse – inflamação sistêmica que representa a principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e uma das principais causas de mortalidade hospitalar tardia no Brasil.
 
Os experimentos foram realizados no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e coordenado por Zamboni. Os resultados foram divulgados em um artigo na revista Nature Communications. Tem-se um interesse particular na C. burnetii porque é uma bactéria bastante subversiva. Ela inibe diversas etapas relacionadas a ativação do sistema imune e, por isso, é  tão virulenta. Estima-se que uma única bactéria é capaz de deixar doente um indivíduo saudável. Normalmente encontrada nas secreções (muco vaginal, leite, fezes, urina ou sêmen) de animais de criação, como cabras, porcos e vacas, a C. burnetii infecta humanos pela via inalatória, causando um quadro de pneumonia atípica conhecido como febre Q. Em alguns casos, a infecção pode prejudicar o fígado ou o coração, provocando endocardite (inflamação no revestimento interno do órgão) e alterações nas válvulas cardíacas.
 
Os macrófagos normalmente são as primeiras células de defesa a entrar em ação quando um patógeno infecta os organismo, um processo muito importante para que a resposta imune aconteça. Dentro dos macrófagos, um grupo de proteínas, conhecidas como caspases,  se aglomeram formando um complexo denominado inflamassoma. Este complexo, por sua vez, inicia um processo inflamatório fora da célula, atraindo para o local outras células de defesa, como neutrófilos, e outros fagócitos e células que serão importantes para a indução de uma resposta imune protetora.
 
No caso de bactérias Gram-negativas, como a C. burnetii, a inflamação é desencadeada quando receptores celulares reconhecem um componente da bactéria denominado LPS (lipopolissacarídeo bacteriano). Isso causa a ativação de um tipo de inflamassoma mediado pela proteína caspase-11, que foi o objeto deste estudo. O grupo das bactérias Gram-negativas incluem outros importantes causadores de doença em humanos, entre eles a Escherichia coli, a Shigella, a Salmonella, a Pseudomonas e a Legionella pneumophila. Todos esses microrganismos possuem LPS e ativam o inflamassoma mediado por caspase-11.
 
Ensaios in vitro
Por meio de experimentos in vitro feito com macrófagos de camundongos, os cientistas testaram duas possíveis hipóteses: a primeira era que a LPS da C. burnetii não seria capaz de ativar o inflamassoma; a outra era que, embora o inflamassoma fosse ativado, a bactéria secretaria alguma outra substância capaz de inibir a inflamação. Para descobrir qual delas era a correta, usou-se uma abordagem de coinfecção, ou seja, primeiro infectamos a célula com a C. burnetii e, um dia depois, infectamos a mesma célula com a bactéria L. pneumophila, que sabidamente é capaz de induzir o inflamassoma mediado pela caspase-11. O grupo então observou que, mesmo com a L. pneumophila dentro da célula, o inflamassoma não foi ativado, o que comprovou que a C. burnetii estava ativamente inibindo a inflamação por meio da secreção de alguma substãncia. Restava saber qual era. Sabía-se que a C. burnetii secreta algumas dezenas de proteínas dentro da célula. Então, expressamos diversos genes de Coxiella mutantes de de L. pneumophila, cada mutante expressando uma diferente proteína de C. burnetii.
Os macrófagos de camundongos foram infectados com os mutantes de L. pneumophila e os cientistas observaram que a bactéria que expressava o gene anotado como CBU1823, depois denominado IcaA (do Inglês, Inhibition of caspase activation), foi a única capaz de inibir a formação do inflamassoma mediado por caspase-11. A descoberta ajuda a entender por que a C. burnetii é tão patogênica. Esse microrganismo usa várias proteínas para enganar o sistema de defesa, mostrou-se que a IccA é uma delas. O estudo abre a possibilidade de usar moléculas com ação similar à IcaA para inibir caspase-11 e, consequentemente, combater doenças inflamatórias como por exemplo a sepse. Muitos casos da doença, particularmente aqueles iniciados por bactérias gram-negativas, estão relacionados à ativação de caspase-11.
 
O artigo Inhibition of inflammasome activation by Coxiella burnetii type IV secretion system effector IcaA (doi: 10.1038/ncomms10205), pode ser lido em www.nature.com/ncomms/2015/151221/ncomms10205/full/ncomms10205.html .
 
FONTE: Agência FAPESP