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Médicos: Por que eles não se envolvem?

Conversamos com três médicos para saber porque tantos profissionais ainda não se envolvem com temas ligados a qualidade e segurança do paciente

A falta de engajamento dos médicos é uma das principais queixas de quem trabalha com políticas e práticas de segurança do paciente. Mas por que isso ocorre? É possível mudar essa realidade?
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Em comemoração ao Dia no Médico, a ONA ouviu três profissionais de diferentes especialidades, todos engajados com a gestão da qualidade em suas instituições de saúde.
Por que eles começaram a se envolver com esse tema? Que dificuldades eles enfrentaram no início? Por que muitos colegas estão distantes dessa discussão? Essas são algumas das perguntas que fizemos ao médico-cirurgião Dr. Andreas Koszka, ao fisiatra Dr. Sergio Akira Horita e ao neurologista Álvaro Pentagna.
Para eles a principal brecha pode estar na formação. O assunto ainda é pouco explorado dentro da academia, na opinião deles.
Confira as entrevistas abaixo:
Álvaro Pentagna
Neurologista
 
1) Como você começou a se envolver nas questões relacionadas à qualidade e segurança do paciente?
Isso foi por conta do protocolo de AVC do Hospital São Luiz do Itaim. O Hospital me chamou, entre outras coisas, para renovar o setor de neurologia, mas principalmente para implementar o protocolo de atendimento de AVC. Foi a partir daí que comecei a me envolver com isso.
 
2) Você ouviu falar sobre acreditação em saúde na faculdade?
Não, de forma alguma. É extremamente importante que isso seja discutido na faculdade, na residência, mas nunca tive nada sobre o tema.
 
3) Teve alguém que te incentivou a seguir esse caminho?
Acho que o grande incentivo que tive foi quando numa ocasião a Drª Helidéa [Lima],  que é a coordenadora da qualidade da Rede D’Or, viu pela primeira vez os resultados do nosso protocolo e ficou muito contente e satisfeita com aquilo que estávamos fazendo. Ela conseguiu nos mostrar a importância do que estávamos fazendo. Até então, achávamos que era algo amador, mas estávamos fazendo um trabalho até melhor do que o esperado. Ela mostrou que aquele era o caminho certo.
 
4) Por que você decidiu começar a se envolver em qualidade e segurança do paciente?
Não foi uma iniciativa pessoal, foi uma solicitação do hospital, uma condição para assumir o trabalho e acabei aceitando o desafio. Muito do que aprendi foi ao longo dos anos estudando, discutindo com quem tinha mais experiência.
 
5) Quais foram suas maiores dificuldades no início?
Tive que aprender “na raça”. Um dos pontos que dificulta é a necessidade de um maior investimento no setor. Acho que os serviços de saúde deveriam investir cada vez mais. Os pacientes procuram um determinado serviço se ele demonstrar qualidade e isso é um resultado que só se tem a longo prazo.
 
Outro problema é a aceitação dos outros médicos em relação à qualidade. Muitos médicos acham que é bobagem, talvez por não terem aprendido o tema na graduação. Eles pensam que por não serem neurologistas não têm responsabilidade. Esquecem que os pacientes e familiares deles também podem ter AVC. Mas é uma cultura que tem mudado, devagar, mas tem mudado. Os médicos vão ter que se interessar, querendo ou não. Não tem como ignorar esse movimento da segurança do paciente.
 
8) O que falta para que mais médicos se engajem?
Eu acho que talvez a política de implementação das medidas às vezes tem falhas. Mas acho que o problema é da formação dos médicos em qualidade e segurança, porque na faculdade isso não é valorizado. As próprias instituições também precisam investir nesse aprimoramento. Se eles não aprenderam na faculdade devem aprender no local de trabalho.
 
6) Falta sensibilidade das instituições de saúde para esses assuntos?
Acho que sim. É uma coisa que vem melhorando e mudando, mas ainda tem um caminho muito longo a cumprir. A questão principal é as instituições perceberem que tornando-se seguras e eficientes elas viram uma referência e atraem mais pessoas, o que gera um retorno financeiro também. Isso mostra que a instituição está madura. Qualidade é lucro.
 
 
Sergio Akira Horita
Médico Fisiatra
 
 
1) Como você começou a se envolver nas questões relacionadas à qualidade e segurança do paciente?
Comecei a me envolver nas questões relacionadas à qualidade e segurança do paciente no meu primeiro emprego, no Hospital Geral de Pirajussara, no qual havia uma preocupação em fornecer maior cuidado nos fluxos assistenciais para diminuir as complicações relacionadas nos procedimentos efetuados pelos profissionais de saúde.
 
2) Você ouviu falar sobre acreditação em saúde na faculdade?
Infelizmente não. Apesar do aprendizado em diversas áreas médicas, na faculdade não havia uma visão mais global dos processos que buscassem maior qualidade e segurança do paciente.
 
3) Alguém te incentivou a seguir esse caminho?
Sim, minha antiga chefe no Hospital Geral de Pirajussara, Dr.ª Yumi Kaneko, e Superintendente do hospital à época, o Dr. Jorge Márcio Santos Salomão.
 
4) Por que você decidiu começar a se envolver em qualidade e segurança do paciente?
Depois de ser informado, através de cursos e reuniões clínicas, que os cuidados em saúde são importantes causas de morbidade e mortalidade dos pacientes que recebem assistência em saúde, comecei a me preocupar e me envolver em qualidade e segurança na atenção em saúde.
 
5) Quais foram suas maiores dificuldades no início?
A maior dificuldade é pessoal: a necessidade de criar rotinas na minha atenção ao paciente para que aspectos básicos de segurança, como identificação correta, comunicação adequada com a equipe multidisciplinar outros colegas e higiene das mãos, não deixem de ser realizados. Outra dificuldade é engajar outros profissionais de saúde nesta cultura.
 
6) Falta sensibilidade das instituições de saúde para esses assuntos?
Felizmente tive experiências muito positivas quanto a essa preocupação nas instituições de saúde em que trabalhei e nas quais ainda trabalho. Entretanto, a realidade é diferente na maioria dos locais em que se presta cuidados em saúde para a população brasileira.
 
7) A partir da sua vivência e sua experiência, você acha que os médicos em geral são engajados nesses assuntos?
Acredito que alguns médicos estão engajados, mas não a maioria. Mas há uma tendência que ocorra o engajamento crescente dos médicos.
 
8) O que falta para que mais médicos se engajem?
A principal dificuldade é a formação, tanto na graduação, quanto na residência médica. Os médicos começam a conhecer a qualidade e segurança do paciente depois da sua formação acadêmica, o que acaba interferindo no seu engajamento.
 
Andreas J. M. Koszka
Cirurgião
 
1) Como você começou a se envolver nas questões relacionadas à qualidade e segurança do paciente?
 
Começou muito por iniciativa minha na época em que fui para um hospital onde não conseguia desenvolver algumas questões do jeito que gostaria. Sentia um pouco de dificuldade no fluxo dos processos. Aos poucos fui me envolvendo mais com pessoas da diretoria que foram muito receptivas. De tanto conversar, de trocar ideias com o diretor desse hospital, fui convidado para ser o líder de um time de cuidados do paciente cirúrgico, quando eles desenvolveram um projeto que estava associado à acreditação. Eles acreditaram no meu bom senso e nas minhas sugestões.
 
2) Você ouviu falar sobre acreditação em saúde na faculdade?
 
Esse assunto é muito pouco divulgado na faculdade. Assim como assuntos relacionados a convênios e processos em geral de cobrança financeira,  processo de segurança. Gestão nós raramente ouvimos falar na faculdade.
 
3) Alguém incentivou você a seguir esse caminho?
Essa sensação de querer organizar, de enxergar um processo mais alinhado tenho um pouco de herança do meu pai que trabalha com auditoria e implantação de controle de qualidade e segurança.
 
Outra pessoa a quem devo muito é ao diretor que citei na resposta anterior, pois ele tinha uma visão de gestão muito ampla e ele enxergou um potencial em mim, ele vinha procurando as pessoas que se encaixavam em cada parte do projeto. Ele tinha uma liderança, tinha as qualidades de um bom líder e fazia tudo funcionar.
 
4) Por que você decidiu começar a se envolver em segurança do paciente?
Eu lembro de um paciente que eu estava cuidando – ele  recebeu o antibiótico de forma incorreta. O remédio deveria ter sido diluído e não foi, e isso teve consequência, o paciente teve uma trombose na veia. Essa situação me deixou alerta porque esse tipo de coisa não pode acontecer. Quando surgiu a necessidade de acreditação, o hospital, na figura desse diretor, me convidou para cuidar dos processos justamente dos pacientes cirúrgicos.
 
5) Quais foram suas maiores dificuldades no início?
A minha maior dificuldade enquanto líder foi me conscientizar do processo. A partir do momento que você tem um modelo e quer aplicá-lo, você precisa estudá-lo. Eu era inexperiente e não conhecia o assunto. A partir do momento que você compreende a necessidade do processo, transmitir isso para o pessoal é outra dificuldade: a assimilação do corpo profissional dentro do hospital, isso é um entrave grande.
 
6) Falta sensibilidade das instituições de saúde para esses assuntos?
Acho que a sensibilidade acaba vindo junto com a necessidade. Depois da implantação de um processo de qualidade no hospital, melhora o rendimento e isso justifica necessidade da acreditação.
 
7) A partir da sua vivência e sua experiência, você acha que os seus colegas médicos são engajados nesse assunto?
Eu acho que o médico precisa compreender melhor a importância desses processos para o hospital. Hoje em dia o hospital está mais profissional e tem mais cara de empresa do que de clínica individual. Por conta disso são aplicados protocolos, formas de gerenciar, programas de prontuário eletrônico, e os médicos de uma forma geral têm uma resistência muito grande em aceitar tudo isso. Fazendo uma autocrítica, além do desconhecimento tem a resistência em aceitar o novo. No meu caso foi interessante porque foi ao encontro do que eu concordava.
 
8) O que falta para que mais médicos se engajem?
Acho que na faculdade de medicina pode haver uma melhora na informação, alguma aula mais direcionada para isso. Principalmente nos últimos anos, quando o aluno é quase médico, ele tem que saber como é o mercado, isso faz falta. Tudo que vemos depois de formados tem que ser aplicado durante a faculdade, deve fazer parte da graduação.
 
FONTE: ONA